27 novembro 2005

Bom senso precisa-se

Alguns juízes e procuradores não terão comunicado os dias em que fizeram greve com o argumento de que não estão vinculados ao dever de assiduidade.
Esquecem-se, contudo, que fazendo greve estão vinculados à lei da greve.
Ora, segundo esta, o exercício do direito à greve implica a perda do direito do trabalhador à retribuição e esta perda só poderá ser efectivada se a entidade que processa o vencimento souber quem fez greve.
Pelo que, não resta outra solução aos magistrados que fizeram greve senão a de comunicar que a fizeram.
Ressalvam-se, naturalmente, os que cumpriram, por força da lei, serviços mínimos, pois neste caso não se perde o direito ao vencimento.
Qualquer outra posição pode encontrar guarida em subtlizes jurídicas, mas não encontrará, certamente, qualquer acolhimento aos olhos do comum cidadão e à luz do bom senso que é preciso em tudo!

24 novembro 2005

A decapitação da Administração Pública

Basta ler o Diário da República para nos apercebermos da quantidade de quadros da função pública que se tem reformado, jubilado e aposentado.
E não admira: são dos poucos que pagam integralmente os seus impostos, sem aumentos reais de vencimento há anos, com a progressão nas carreiras congelada, sem sub-sistema de saúde, sem incentivos de qualquer ordem, sem ninguém que defenda a sua imagem pública, antes pelo contrário.´
Mais vale mesmo é ir para casa ver as novelas da TVI.

Pergunta-se, com este quadro deprimente, que qualidade terá a futura base de recrutamento da função pública?
A quem convém esta "normalização", por "baixo", dos agentes do Estado?
Qual será a sua capacidade de resitência ao aliciamento e à corrupção?
Que prestígio social terá o funcionário público?

A que poderes convém este estado de coisas?

Mais vale tarde do que nunca

O Presidente da República, no congresso dos Juízes que está a decorrer no Algarve, certeiramente, pôs os pontos nos "iis" quanto ao disparate que tem sido a actuação do governo no sector da justiça.
Foi bom ouvir uma voz sensata - que nesta fase da sua vida não precisa de fazer populismo nem demagocia, nem precisa de ter "ódios de estimação"-, falar com serenidade, mas com vemência, sobre a falta de condições dos tribunais, a falta de dignidade de alguns espaços, do excesso de serviço, do problema das férias judiciais, da justificação para a existência do sub-sistema de saúde, etc, etc.
Há muito que se esperava que alguém, com sentido de Estado e de cidadania, viesse em defesa do orgão de soberania Tribunais e de quantos lá trabalham.
Tardou e custou, mas mais vale tarde que nunca.

Devemos exultar pela noite de insónia que as palavras do PR irão causar em alguns políticos e fazedores da opinião publicada.

Parabéns Senhor Presidente da República.

Infelizmente outra conclusão se pode retirar: no nosso país, não abundam responsáveis políticos que, em vez de optarem pelo discurso fácil e populista, previligiem o prestígio dos orgãos de Estado.
Se não, já se teriam pronunciado, com a mesma serenidade, mas também com a mesma sensatez e firmeza.
Não é senhores candidatos a PR?

21 novembro 2005

A Justiça e os outros

Nos últimos dias várias têm sido as vozes a reclamar a demissão do Procurador-Geral da República por causa do "caso Casa Pia", demissão que, ao que parece, até já chegou a estar adiantada...
Jornalistas, mais ou menos indepedentes e autorizados, escrivas (oficiais ou não) do regime, ideólgos, mentores de reformas, eminências pardas, comentadores, intelectuais, pensadores, professores mais ou menos doutores, advogados mais ou menos avençados, magistrados, etc., etc., ninguém se tem dispensado de dar a sua opinião sobre o assunto.
Muitos sem saberem, sequer, do que falam.
Alguns até, que se desejava que fossem sábios e ponderados, mas que se têm mostrado do mais básico e primário que uma democarcia pode aturar no designío de atingir mortalmente o homem, espalharam-se ao comprido, confundindo alegações de advogados (por isso, parte interessada no processo) com afirmações dos Juízes.
Enfim, a democracia tem destas coisas.

Convinha é que houvesse um pouco mais de serenidade, humildade e bom senso na análise da questão.
Desde quando é que o PGR orienta directamente o processo a, b, ou c?
Para essa tarefa servem os magistrados (desde Procuradores-Adjuntos até aos Procuradores-Gerais Adjuntos) que na estrutura, hieraquizada, do MP estão colocados em organimos que coordenam e dirigem a investigação ciminal.
No caso concreto, se os responsáveis pela investigação actuaram de forma deficiente, lá estarão os mecanismos próprios, previstos em leis da República, para os sancionar.
Disciplinarmente, através do Conselho Superior do MP.
No processo, através da aceitação, ou não, pelos Juízes de Instrução, de Julgamento ou de Recurso, da tese defendida pelo MP na investigação e na acusação.
Quando é que não ganhar um recurso - coisa que acontece todos os dias na vida do MP - pode implicar a demissão do PGR?
Ganhar ou não um recurso depende de muitos factores, às vezes de pormenor, como por exemplo o processo ser distribuído a uma ou a outra secção do mesmo Tribunal.
Não ganhar um recurso num Tribunal superior significa apenas que os três Juízes chamados a decidir não aderiram, na sua convicção, a uma tese que lhes foi proposta, com toda a subjectvidade que está inerente a este tipo de decisões e que temos de respeitar por ser própria da função de julgar.

Subjectvidade que parece estar bem patente neste caso, pois, pelo que se tem conhecido, a tese do MP tem estado a ser sufragada no decorrer do julgamento, com provas do mesmo tipo do que agora foram julgadas insuficientes para pronucniar estes arguidos.
Acresce que, por muito que isso conste a muita boa gente, o Tribunal da Relação de Lisboa não emitiu nenhum atestado de inocência destes arguidos.
Apenas concluiu que os indícios não são suficientes para os levar a julgamento, o que é coisa bem diferente.

É deste tipo de subtilezas que muitas vezes os jornais, jornalistas e comentadores não se apercebem, ou, pior do que isso, apercebem-se, mas, assobiando para o lado, fingem não se aperceber.

O tempo e o modo da justiça não pode, nem deve, pois, confundir-se com primeiras páginas de jornais, com aberturas de telejornais, ou excitações político-partidárias.
Nela não há lugar para derrotas ou vitórias e muito menos para demissões.
É isto que muita gente - que tudo analisa à luz da sua particular mundividência - não suporta.
Mas tem de suportar.
A justiça, os jornais e a política são rios cujas águas não se devem misturar.
A bem de uma democracia mais saudável.
A bem da independência dos Tribunais e da autonomia do MP.
A bem de Portugal!