17 outubro 2007

Prosa certeira de Manuel António Pina

Prosa certeira, mais uma vez, de Manuel António Pina no JN de hoje, que transcrevemos, com a devida vénia, e porque a subscrevemos integralmente:

"Uma das lições de Teplotaxl, o Diabo dos Números de Hans Magnus Enzensberger, é a de que, mais do que para fazer contas, os números servem para pensar. Que pensar então com os números agora anunciados pelo INE, segundo os quais há dois milhões de pobres em Portugal, o que nos coloca no pelotão da frente da vergonha da União Europeia? Mais Portugal é o país da UE onde é maior o fosso entre ricos e pobres, isto é, onde os ricos são mais ricos e os pobres mais pobres. E os números referem-se a 2005, quando a taxa de desemprego andava na casa dos 7%. Hoje, como se sabe, já vai em 8,3%. Em contrapartida, nos primeiros seis meses deste ano, só o BES, o BCP, o Santander e o BPI lucraram 6,3 milhões de euros por dia, ou seja, cerca de 263,6 mil euros por hora. E, no último ano, as fortunas dos 100 portugueses mais ricos cresceram (os números, agora, são de Fernando Nobre, presidente da AMI) mais um terço. Entretanto, Isabel Jonet, da Federação dos Bancos contra a Fome, fala dos "novos pobres" que todos os anos engrossam o número de portugueses (em 2006 foram 216 mil) que dependem de ajuda alimentar para sobreviver. No meio disto, haverá decerto razões para se festejar outro número, o de 3% de défice. Mas não se justificará algum comedimento nos festejos?"