04 março 2006

Tudo bons rapazes III

Em semana de Carnaval (não terá sido, concerteza, mera coincidência...) assistiu-se a mais algumas manifestações de histeria a propósito das buscas no jornal 24 H.
Ouvi até alguém dizer (já não recordo quem, a sério, tantas foram as declarações!) que estava em causa o regime democrático.
Haja tenência, senhores, porque paira por aí muita falta de bom senso!

Do ponto de vista jurídico, convém não confundir "alhos com bugalhos":
1. As normas que regulam o sigilo profissional dos jornalistas afastam-se, em parte, das que regulam o segredo profissional de outras profissões, como os médicos, os advogados, os funcionários dos bancos ou da administração tributária, etc..
2. Relativamente a estes profissionais, o sigilio profissional confere o direito de não revelar o segredo de que são detentores, mas, simultâneamente, impõe a guarda desse segredo como um dever.
3. Se o médico, o advogado, etc., revelar, indevidamente, o segredo comete uma infracção disciplinar e um crime.
4. Diferente é o estatuto do jornalista, repito do jornalista, a quem é garantido o direito de proteger as suas fontes, não sendo ele obrigado a revelá-las, não existindo, contudo, uma verdadeira obrigação jurídica de não as revelar.
Daí que há quem entenda que, relativamente aos jornalistas, seja mais correcto falar do direito de proteger as fontes do que verdadeiramente de sigilio profissional.
5. Isto é, se revelar a fonte o jornalista, repito o jornalista, não comete qualquer infracção disciplinar ou penal, embora possa pôr em causa o seu Código Deontológico, que, contudo, não tem força de lei.
6. Do que foi dito, resulta que o segredo profissional referido em 1, 2 e 3 tem um regime jurídico bem mais "apertado", em termos de tutela, do que o direito que é reconhecido ao jornalista de não revelar as suas fontes.
7. Não obstante, quase todas as semanas os Tribunais da Relação dispensam médicos, advogados, funcionários de bancos e da administração tributária de guardarem segredo profissional, permitindo a revalação de segredos de que são conhecedores em razão das funções que exercem, considerando que mais importante que guardar esses segredos é a possibilidade de avançar a investigação criminal e a sua eficácia.
8. Então, porque deveria ser diferente quanto ao direito de o jornalista proteger a sua fonte?

Um pouco mais de bom senso e Portugal seria um país melhor.

Bom fim de semana.