07 fevereiro 2006

Quem semeia ventos...

Tem causado brado na CS o facto de muitos juízes se recusarem a continuar diligências para além das 17 horas.
Não sei qual é o espanto, pois quem semeou os ventos, agora que aguente as tempestades.
As pessoas sensatas, e com amor à verdade (de onde se deve excluir muita da opinião publicada), facilmente reconhecem que, até há pouco, se havia alguma eficácia na justiça portuguesa ela se devia, em grande parte, ao esforço abnegado da maior parte dos juízes, procuradores e funcionários de justiça.
Muitas das vezes com total falta de condições: sem gabinetes, com gabinetes a funcionar em antigas cozinhas e em contentores, sem salas com a necessária privacidade para ouvir testemunhas ou fazer exames médicos, sem salas de audiência, ou com gabinetes apertados a funcionar como salas de audiência, com processos infestados de pó e humidade, sem bibliotecas dignas ou minimamente equipadas, com infiltrações de água por todo o lado, (em que às vezes se tinham de cobrir os processos com plásticos), sem material informático para todos ou já obsoleto, com edifícios degradados sem qualquer climatização, com temperaturas que variavam entre os 3-4 graus no Inverno e mais de 30º no Verão, sem verba para obras ou sequer para um mísera pintura para "lavar a cara", sem viatura de serviço ou verba para alugar um táxi, sem qualquer segurança (pessoal ou de instalações), correrias para conseguir uma sala livre, etc., etc, etc.
Certo é que, como em todos os outros ofícios, havia também quem fosse relapso, trabalhasse pouco e faltasse muito.
Mas, a regra era outra: trabalho e mais trabalho: julgamentos e diligências intermináveis, para além das 17 (antes 18) horas, e muitas vezes pela noite e madrugada dentro, sem qualquer compensação monetária directa, almoços engolidos a correr, a pressão da estatística, muitas noites, sábados e domingos a fazer despachos, saneadores e sentenças, com manifesto prejuízo para a vida pessoal e vida familiar, muitas noites de insónia e de angústia a pensar neste ou naquele caso e na sua solução, turnos de fim de semana, férias encurtadas para recuperar atrasos, já para não falar nos livros e material informático que muitos pagavam do seu próprio bolso porque o Estado não cumpria o seu dever.
Ora, os operadores judiciários sempre entenderam os serviços sociais do MJ, a assistência médica inerente, e mais alguns dias de férias por ano, como uma forma de os compensar pelo esforço que desenvolviam, sem nada pedirem a mais que não fosse o seu salário em singelo.
Eram os tais direitos (agora, rotulados de privilégios) que contrabalançavam os deveres inerentes.
Por obra e graça de quem manda, mantendo-se intactos os deveres, diminuiram-se os direitos, motivando um forte desiquilíbrio no estatuto sócio-profissional dos operadores judiciários, que é, afinal, segundo vozes autorizadas em Portugal e no estrangeiro, um elemento fundamental para garantir a independência do poder judicial.
Acho, pois, bem que quem trabalha nos tribunais não trabalhe mais do que aquilo que é de lei, dado que se comprovou de novo que o Estado "é pobre e mal agradecido".

Boa Noite.